quinta-feira, 26 de março de 2009

ENTRE BETEL E FANUEL - UMA REFLEXÃO SOBRE OS CAMINHOS DE JACÓ (FINAL)

Entre Betel e Fanuel (ou Peniel), passaram-se vinte anos da vida de Jacó, e ao lermos bem a história de Jacó, ele não desfrutou da barganha que tentou fazer com Deus, mas a vida se impôs a ele de forma que não imaginava.

O Jacó que enganou seu irmão experimentou na própria pele o que é ser enganado, pois seu tio Labão o fez trabalhar sete anos por sua filha Raquel, e no dia do casamento, Jacó é enganado e passa a lua de mel com Lia, sendo obrigado assim a assumi-lá como esposa. Depois trabalha mais sete anos em troca de Raquel, e mais seis anos em troca de salário.

Enfrentou problemas com a família, com as suas mulheres, com os cunhados e com o sogro. Para enganar o sogro Jacó descobre uma forma de fazer com que os animais parissem crias listradas, salpicadas e negras; que pelo último acordo, seriam dadas a Jacó. Propositadamente, ele faz com que as crias brancas sejam as mais fracas, e assim, enriquece acima do sogro.

Para Jacó, o fato de ter manipulado o momento do acasalamento dos animais de Labão não era engano, mas retribuição de Deus às maldades do sogro, como afirma no capitulo 31. Interessante que o anjo afirma ser o “Deus que te apareceu em Betel, onde ungiste uma estela (coluna) e me fizeste um voto” (vs. 11-13). Ou seja, a malandragem de Jacó era justificada pelo “deus da barganha” que ele criou em Betel. Não estou dizendo que o Deus verdadeiro não esteve na visão em Betel, apenas desejo que possamos perceber que entre a aparição de Deus e a interpretação que Jacó deu a esse evento e a sua própria “divindade”, existe um tremendo abismo.

Essa divindade justifica toda injustiça em prol dos “ungidos de Deus”, retribui o mal na mesma moeda, e age em favor daqueles que são capazes de fazer votos e criar seus altares de pedra. Esse era o “deus” de Jacó em Betel e o mesmo que ainda trafega em muitos ambientes “cristãos”. Jacó enriqueceu como desejava, mas não a custa de sofrimento, desentendimentos, crises na família, e diversos outros problemas, tanto que acaba fugindo pela segunda vez em sua vida.

Agora Jacó foge da fúria do enganado Labão, o pior que ele foge de um enganado para encontrar-se com a outra vitima de seus enganos. O sogro encontra Jacó nos montes de Gileade e é orientado por Deus a não fazer promessas nem ameaças. O sogro está à procura de um ídolo que Raquel lhe roubou, porém ele acredita ter sido Jacó o ladrão, mas Raquel o esconde de forma que Labão não o encontra.

Cada ídolo de um clã ou família servia não só para adoração, mas também para a proteção daquele grupo. Raquel roubou os ídolos para que os deuses lhe protegessem naquela viagem e naquele tenso encontro com o irmão traído de Jacó. O roubo de Raquel apenas materializou o ídolo que o marido havia criado em sua cabeça.

Já que Labão estava desprotegido de seus deuses, não lhe restou outra coisa senão fazer um novo acordo com Jacó, demarcando fronteiras para que nenhum possa prejudicar ao outro. Esse acordo era uma espécie de reconciliação entre Jacó e Labão, onde ambos entenderam que era o momento de haver separação e cada um seguir seu rumo, pois a convivência entre os dois seria terrível e recheada de enganos. Mas tal em encontro apenas mostra algo que Deus desejava fazer em Jacó: ensinar-lhe a sair de uma etapa da vida reconciliado com o passado que deixou para trás, coisa que ele não havia feito com Esaú, mas que já estava prestes a fazer.

Jacó sai dali com os exércitos de Deus, pois havia vencido esta etapa da vida sabendo o valor de uma reconciliação. Agora lhe restava ir ao encontro com seu temível irmão Esaú.

A angústia e o medo apoderaram-se de Jacó, e como ele sabia que seu irmão não era um cara tão tranqüilo, ele toma precauções para proteger sua família e fica só na noite que antecede ao seu encontro. Esse é um momento único de Jacó, onde ele se separa para orar ao seu “deus” em busca de proteção.

Jacó se mostra frágil, sua fé na promessa fraqueja diante do terrível obstáculo que virá a sua frente e ele sente-se só em todos os sentidos. É nesse estado interior que Jacó luta com um anjo até o dia amanhecer e não há outro estado para apresentar-se diante de Deus que não seja a humilhação.

O texto diz que Jacó lutou e venceu, mas ele saiu ferido na coxa de forma a ficar manco. Jacó venceu porque ele conheceu a luta desde seu nascimento, ele lutou no ventre da mãe, lutou para ser primogênito, lutou pela mulher que amava, lutou pelo bens que possuía (mesmo que seus métodos sejam reprováveis) e enfrentou em todos os momentos as perdas e ganho que as batalhas da vida acarretam.

Jacó não foi vitorioso da forma que imaginava, mas venceu porque em todos os momentos da sua vida não se acovardou diante das circunstâncias. Jacó venceu porque percebeu que estava lutando com Deus e então O agarrou desesperadamente para ser abençoado. Mas Deus não o abençoou como ele queria, mas o salvou de seu passado ao mudar seu nome.

Imagino Deus dizendo: “Você era Jacó, aquele que enganava, usurpava, mentia. Mas você aprendeu que nem tudo na vida se faz com enganos, atalhos e barganhas. A vida exige luta, coragem e dedicação, e você aprendeu isso. Descobriu que o mundo não era aquela redoma de vidro que sua mãe criara, Sentiu o gosto de ser enganado e usurpado dos seus direitos. Mas você não se acovardou, enfrentou a tudo e a todos da forma que sabia e com as armas que possuía, e sendo assim venceu. Por isso você se chamará Israel, porque em tudo perseverou”.

A benção que Deus deu a Jacó foi o caminho do amadurecimento, o caminho que ele fez de Betel até Fanuel. A benção já estava na graça de Deus que, mesmo com todas as imperfeições e inadequações de Jacó; não se apartou dele em momento algum. Israel era alguém que entendeu que na vida existem lutas, e com ela, perdas e ganhos que a dão forma. Ele agora não precisa fazer votos de bênçãos e prosperidade material, pois ele entendeu em Fanuel que Deus lhe deu a vida graciosamente e a guardou mesmo após lutar com Ele (também com todos os homens antes, e também com todos os que virão após).

Nasce o sol, um novo dia, e com ele um novo homem chamado Israel. Esse novo homem é deficiente, manca de uma perna, sendo frágil também no coração, pois entende que tudo o que tem é simplesmente a vida que lhe foi salva.

Essa é a essência do encontro com Deus, não o orgulho e a barganha de Betel, mas a fragilidade e humildade, a humanização de Fanuel. É em Fanuel que Deus deixa de ser um ídolo e assume sua verdadeira identidade em nosso coração. Houve uma verdadeira reconciliação entre o Deus que apareceu a Jacó e aquele que ele criou e chamou de "Betel".

Ambos os momentos são paradigmáticos na vida de todo peregrino espiritual, então o que nos cabe é discernirmos tal caminhada e seguirmos até Fanuel, lugar onde se celebra a vida, mesmo que seja mancando!


Jorge Luiz

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