sábado, 14 de março de 2009

DE SAUL A DAVI – A TRANSIÇÃO ENTRE O MONARCA DOS HOMENS E O GOVERNANTE DE DEUS


Esse texto é uma republicação, já que constava no acervo do meu antigo blog (VerdadeBlog). Espero que gostem.


DE SAUL A DAVI – A TRANSIÇÃO ENTRE O MONARCA DOS HOMENS E O GOVERNANTE DE DEUS


Obs: O livro-base que uso para esse texto é 1 Samuel

Ao poder ler e reler a história de Saul e Davi; percebesse no autor, ou nas várias tradições contidas no texto, que a narrativa segue uma progressão ascendente que chega até a posse de Davi como rei. Essa progressão é uma tentativa de mostrar que a vontade de Deus é melhor e maior do que a humana, assim como ratificar que Seus planos não são frustrados.

O autor (ou autores) do livro de 1 Samuel querem deixar claro que Saul e Davi representam respectivamente o governo dos homens e a liderança segundo Deus. Mas do que reis em Israel, Saul e Davi são a encenação viva do que acontece ao povo de Deus quando seguem seu próprio entendimento, estabelecem sua própria liderança e esquecem da primazia de Iahweh sobre suas vidas.

Capítulo 8 – A nova idolatria israelita

Apenas por motivo de conceituação vamos colocar o inicio da monarquia a partir do capítulo 8 de 1Samuel, porém, já havia tentativas por uma parte do povo de Israel em levantar reis, como foi o caso de Gedeão (Jz 8:22s) e Abimelec (Jz 9:1s). A instauração da monarquia em Israel era um processo que já havia começado desde a época dos juízes e seguia gradativamente. Porém, alguns acontecimentos devem ser considerados para explicar por que o povo exigiu rapidamente de Samuel um rei que o substituísse.

1. Há algum tempo o povo vinha sofrendo na mão de juizes corruptos, os quais oprimiam o povo e praticavam a justiça mediante suborno. O caso clássico de Hofni e Finéias é o exemplo da nova safra de juízes que estava surgindo entre o povo; homens que além de corruptos, eram pervertidos quanto a adoração ao Deus e no trato com as ofertas.

2. A desagregação do povo estava acelerada. Não havia unidade nacional em Israel. Cada tribo assemelhava-se a cidades-estado, com liderança própria, e o sentimento de irmandade, fraternidade e respeito pelas outras tribos estavam se perdendo. O caso narrado em Jz 19 – 21 sobre a morte da concubina do levita de Efraim é um bom exemplo da desarticulação de Israel como uma única nação.

3. A destruição do santuário de Deus em Siló e o seqüestro da Arca pelos filisteus também acelera o desejo por uma monarquia que possa unificar Israel. O exército israelense, liderado provavelmente pelos filhos corruptos do passivo sacerdote Eli, sofrem uma derrota vergonhosa. Para agravar a situação, a arca é levada pelos filisteus e o santuário de Siló é completamente destruído. Esta pode ser considerada a maior ameaça para Israel como nação, já que a ausência da Arca significava a própria ausência de Deus, que era o grande líder do povo. Sem a Arca não havia Deus em Israel e não havia possibilidade de vitória nas batalhas.

4. Os filhos corruptos de Samuel apenas demonstraram que o sistema de governo a partir dos juízes já não atendia mais as necessidades de Israel como nação. O povo afirma que deseja um rei de acordo com as outras nações, ou seja, um homem que pudesse centralizar o governo em Israel, substituindo o velho sistema tribal.

Esses e outros fatores foram determinantes para o surgimento da monarquia. Porém, o desejo de ser “como as demais nações” escondia no coração israelita algo além do desejo político. As demais nações consideravam seus reis como semi-deuses, divindades encarnadas, as sementes do culto ao imperador. A escolha de um rei era na verdade uma nova modalidade de idolatria, na qual estavam substituindo a liderança de Deus pela humana, substituindo a dependência pela auto-suficiência.

É esse sentimento que move o coração do homem judeu naquele momento, tanto que as leis monárquicas que Samuel promulga na presença dos lideres do povo são semelhantes às leis que já havia entre os reis cananeus, tornando o povo como escravo da vontade da realeza. Saul é a escolha de Deus segundo a vontade dos homens.

Capítulos 9 à 12 – Sai Samuel, entra Saul

Saul entra em cena; e ao lermos o texto, percebemos que o autor não começa falando sobre nenhuma qualidade de caráter ou acerca da espiritualidade de Saul. O que é enfatizado é apenas sua beleza física e sua estatura, pois o que era importante para que Saul fosse o rei do povo era apenas aparência (9:2).

O tipo de rei que é escolhido revela o tipo de mentalidade que permeava Israel. O povo só enxergava o que havia por fora, a aparência, e Saul é escolhido por essas “qualidades externas”.

Saul tinha complexo de inferioridade por ser Benjaminita, do clã de Quis, um dos menores da tribo (9:21). É preciso entender esse sentimento para que se compreendam as atitudes de Saul perante Davi. O êxtase espiritual que faz Saul profetizar, como sinal da presença de Deus e da validade da unção de rei sobre sua vida; deixam claras a sua debilidade espiritual e sua insegurança, pois nenhum outro rei em Israel precisou passar pelo mesmo processo.

Outra péssima qualidade de Saul era a covardia. No dia em que é consagrado rei perante o povo, Saul se esconde com medo que pode acontecer a ele. Provavelmente arrependido de ter aceitado a unção para ser rei, Saul agora foge das responsabilidades devido sua covardia; o que torna até irônico pensar em um homem tão alto se esconder em meio as suas bagagens (10:22).

Interessante aqui é que o povo não percebe (ou finge não perceber) a covardia do novo rei, mas se admiram e festejam o novo rei, que “dos ombros para cima sobressaía a todos” (10:23-24). O que importa é que ele tem a aparência de um guerreiro, e pode com “determinação” lutar as guerras de Iahweh. Mas durante seu reinado a covardia vai lhe trazer grandes problemas.

Para alguns do povo de Israel, não bastava um rei bonito. Ele precisava mostrar que tinha capacidade (10:27). Saul não teve a aceitação unânime para ser rei, e por causa da sua covardia se refugiou na sua cidade, talvez esperando o dia em que seria aceito.

Porém, uma guerra com os povos amonitas estava sendo levantada e o povo sente a necessidade de um líder para a batalha. É a chance que Saul precisava para consolidar seu reinado. Se não fosse o espírito do Senhor (11:6), provavelmente Saul teria chorado junto com o povo de Gibeá a terrível sorte dos habitantes de Jabes-Gileade. Porém a coragem de Deus é dada a Saul e ele consegue reunir o povo para a batalha, vence os amonitas e assim é decididamente aceito como rei em Israel.


Continua...


Jorge Luiz

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