quarta-feira, 15 de abril de 2009

ESPIRITUALIDADE CONTEMPÔRANEA E PRÁTICA (AT 2:1-11) - Mensagem Pregada na Betesda de Messejana em 12/04/2009

Todos nós sabemos que a pergunta dos últimos tempos é a respeito da Espiritualidade. Todos querem saber sobre o que é espiritualidade, ou mesmo como se tornar uma pessoa espiritualizada. Como somos absorvidos pela mentalidade lógica e mecânica, somos atraídos por todo tipo de métodos e receitas estão disponíveis aos montes.

Porém, algo que me salta aos olhos, quando observo as prateleiras das livrarias, ou mesmo das locadoras de DVD: estão surgindo propostas de uma espiritualidade que seja aplicável ao cotidiano das pessoas. Aquele estereótipo do monge que fica recluso numa caverna, com roupas simples e meditando durante horas já não atraí tanto os Ocidentais. Hoje temos livros que tratam da espiritualidade no trabalho, na família, nos relacionamentos... Enfim, uma infinidade de “espiritualidades” voltadas para o prático, para o dia a dia.

Por outro lado, quando percebo a Igreja de hoje, vejo que nossos modelos de espiritualidade não tem se atualizado com o passar dos tempos. Ainda andamos na contra-mão dessa nova revolução, apesar dos vários produtos “gospel”. Na mentalidade de muitos, a espiritualidade cristã se resumi aos seguintes exercícios: Oração, Meditação e Leitura da Bíblia, Fuga dos pecados da carne, Demonstrações de poder sobrenatural.

Nossa receita de como ser espiritual é igual à de muitas outras religiões e filosofias: Quanto mais afastados do mundo carnal e da matéria, quantos mais desligados desse mundo, mais espirituais somos.

É necessário resignificarmos aquilo que chamamos de Espiritualidade. Precisamos enxergá-la não como esse combate dualista entre minha matéria e meu espírito, entre as obras da carne e fruto do Espírito. Como diz Leonardo Boff, espiritualidade é uma qualidade do espírito humano que integra o ser humano numa relação de profundidade com ele mesmo e com o próximo, ou seja, enxergar a si mesmo, ao mundo e ao próximo de forma mais profunda do que as aparências. Dalai Lama diz que espiritualidade é tudo aquilo que causa mudança interior. Podemos tomar essas afirmações como um ponto de partida válido.

Escolhi essa leitura do livro de Atos, pois sei que muito do que chamamos hoje de Espiritualidade foi forjado a partir da experiência do Dia de Pentecostes. A descida do Espírito Santo ali descrito é um tremendo símbolo dessa nova forma de espiritualidade: ela simboliza o nascimento de uma nova consciência em Cristo, ou da encarnação de Cristo em nós.

Vejamos de que forma isso fica evidente em Atos:

1. A espiritualidade cristã nasce de um evento diversificador e exterior: o falar em línguas.

Na Bíblia em nenhum outro momento é narrado que pessoas começaram a falar línguas diferentes da sua cultura de maneira sobrenatural. O único evento maior referente à linguagem seria a história da Torre de Babel, onde as línguas foram diversificadas. Interessante notar que em toda cultura imperial antiga, o reino que dominava o mundo sempre impunha sua língua como forma de violentar a identidade cultural dos dominados. Já o que ocorreu no Pentecostes é o contrário, pois Deus mostrou seu desejo de ser comunicado a todas as culturas sem com isso violentar a personalidade de ninguém. A espiritualidade cristã não pode ser resumir a um só entendimento. Ser espiritual é ser capaz de falar com o outro, entender o outro, ensinar e aprender com o outro, não impor barreiras para alcançar o outro.

(Só um parêntese: As línguas que falamos hoje são estranhas, tanto para nós mesmo como para os outros, e nossa postura muitas vezes e tão estranha e separatistas como as línguas que falamos.)

2. A espiritualidade cristã em Atos caminha para a convivência harmoniosa entre os diferentes.

Interessante que após o evento sobrenatural, Lucas não descreve uma igreja de fogo e sapateado, mas sim um lugar onde a comunhão é o maior milagre da espiritualidade.

O espiritual é aquele que conjuga o verbo compartilhar da mesma forma que o verbo orar, ler, jejuar. Qualidades como fraternidade e empatia são mais espirituais do que os dons sobrenaturais.

Os irmãos de Atos demonstram a espiritualidade no cuidado com o corpo, com a mente e com espírito no coletivo. Eles dividem as refeições e os bens, o ensino e o amor, revelando a espiritualidade como o cultivo das qualidades do espírito humano. Para Lucas, a Igreja precisava ser o projeto de uma nova sociedade. Espiritualidade que reflete no convívio social, “espiritualidade do nós”, que entra na prática de vida, que arregaça as mangas e coloca as mãos no mundo.

3. A espiritualidade cristã significa a capacidade de se deixar ser tocado, a sensibilidade e a profundidade de ser afetado por aquilo que lhe rodeia.

Pedro e João haviam passado diversas vezes pela porta do templo e viram o paralítico em todos esses momentos, mas num instante em que eles tiveram sensibilidade e se solidarizaram com aquele homem, eles se mostraram espirituais.

A Igreja antiga era caracterizada pela simpatia da cidade onde estava inserida, e tal coisa só se alcança quando afetamos e deixamos ser afetados pelas necessidades e clamores do próximo.

A igreja deve ser o ambiente que ofereça condições para exercitarmos a espiritualidade do coletivo, para além de nossas portas e dos limites de nossa religião. Interessante o trecho da Bíblia que está no versículo 13-14 do capitulo 4 de Atos:

13 - Quando o conselho viu a coragem de Pedro e João, e pôde ver que eles eram evidentemente homens simples e sem cultura, ficaram espantados e perceberam o que a convivência com Jesus havia feito neles!

14 – Mas o conselho dificilmente podia desmentir a cura, visto que o homem que eles haviam curado achava-se bem ali ao lado deles!

Eis aqui um resumo básico do evangelho, na ótica dos fariseus: Eles se impressionam com o que os discípulos se tornaram pela convivência com Jesus, e não somente pelo que falavam, mas pelo que faziam também.

Os discípulos foram afetados, tocados, e também afetaram e tocaram o paralítico. Da mesma forma, muitos relatos no evangelho mostram Jesus sendo comovido, sensibilizado, surpreendido, e isso o levava a tomar atitudes espirituais que não se encaixavam ao molde religioso da época. Os espirituais são aqueles que sentem semelhantemente a Jesus.

Conclusão

No texto sobre a cura do paralítico, durante o interrogatório dos fariseus, Pedro disse uma das frases mais conhecidas por nós: Julguem vocês mesmos se é justo diante de Deus que obedeçamos a vocês e não a Ele! Quanto a nós, não podemos nos calar sobre o que vimos e ouvimos.

O espiritual não pode deixar de viver sua espiritualidade assim como Pedro disse que não poderia deixar de falar de Jesus e sua mensagem (4:20), pois eles estavam impregnados da mentalidade de Jesus. Isso é a conseqüência natural do batismo com o Espírito Santo na Bíblia, a Espiritualidade como sendo a vivência de Jesus Cristo em nós se fazendo prática.

A espiritualidade passa pela oração, pela leitura da Bíblia, mas não se limita a isso. Sou espiritual quando consigo me comunicar os diferentes, conviver entre os diferentes de forma harmoniosa com os diferentes e ser afetado pelos diferentes ao ponto de gerar em mim atitudes de graça e amor. Resumindo: Espiritualidade é um estado de consciência renovado, uma restauração da imagem de Deus perdida há tempos.

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