terça-feira, 21 de abril de 2009

AUTO-ENGANO E A GRAÇA DA ACEITAÇÃO

Sabemos que a mentira pode provocar males além da nossa própria compreensão. A verdade é uma das virtudes mais preciosas ao cristão e deve sempre ser cultivada. Somos ligeiros a denunciar a mentira assim que ela é percebida, detestamos mentirosos, reprovamos todo tipo de falsidade.

Mas infelizmente existe uma categoria de mentira da qual dificilmente escapamos: o auto-engano. Esse mal surge da capacidade de criarmos uma vida que não corresponde com a realidade. Criamos um mundo ao nosso redor de acordo com aquilo que acreditamos ser o necessário para sermos aceitos em sociedade. O auto-engano nasce de uma mentirinha aqui, outra acolá, e das justificativas que damos a nós mesmos. Escondemos a nossa inadequação para sobrevivermos a mundo que não aceita os inadequados.

No aspecto religioso, tal atitude encontra raiz numa má interpretação da Bíblia. O Novo Testamento cita alguns mandamentos morais que Jesus nos deixou. Quando nos deparamos com afirmações do tipo: “Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra...” (Mt 5:39) ficamos atordoados e sem ter o que pensar. “Amem os inimigos...” (Mt 5:44) soa absurdo. As afirmações da ética evangélica são tão pesadas e de difícil aceitação que nos encontramos sem saída. O que fazemos? Geralmente abandonamos essas palavras “absurdas” e criamos personagens que no mínimo representem algo parecido com a ética de Cristo.

Há um estilo de vida chamado cristão que não compreende palavras de Jesus. Tal postura agrega nobreza e uma falsa piedade. Esse talvez seja o auto-engano por excelência. A capacidade de criarmos esconderijos e compararmos isso com a proteção de Deus. Acreditarmos que estamos protegidos sem necessariamente vivermos tudo aquilo que Jesus ensinou, porque enfim, os ensinos de Jesus são meio “malucos”, e sinceramente, impraticáveis.

O impraticável torna-se sempre descartável. As pessoas desejam uma religiosidade que possa ser vivida como um código de conduta, mas a mensagem de Jesus é elevada demais para que seja transformada em um manual de moralidade. Em tal desejo reside a raiz do auto-engano religioso.
Somos semelhantes ao corredor que durante o treino foi desafiado a correr cem metros em cinco segundos. Ele se esforça, tenta várias vezes, porém fracassa. Ele então atribui a culpa ao tênis, a pista e por último ao pedido insano do treinador. Nunca reconhecemos que o problema está em nós, assim como o corredor nunca aceitaria que o fracasso está justamente na sua condição humana.

Sendo assim, compreendo as exigências de Cristo como a simples revelação de nossa total incapacidade de cumpri-las, ou seja, nossa total perdição. Enquanto pensamos em como criar mandamentos e personagens fictícios que supram nossa necessidade por adequação, passamos a viver uma religiosidade de barganha com Deus.

A lei de Deus simplesmente inverte toda a lógica humana e denuncia nossa total inadequação. Os “mandamentos” de Jesus simplesmente gritam aos nossos ouvidos para que deixemos de lado qualquer presunção de agradar a Deus com leis, rituais e códigos que possam suprir as nossas faltas. A ética cristã ataca diretamente a auto-imagem positiva que criamos de nós mesmos e que geralmente não condiz com a realidade.

Gostaria de citar Brennan Manning:

As demandas radicais de Jesus nos fazem lembrar diariamente de nossas faltas e perceber que a salvação é o dom gracioso de Deus. Neste ponto chegamos ao núcleo da revelação. Se o evangelho nos diz qualquer coisa, se a igreja proclama somente uma coisa ano após ano, é que a salvação é um dom gracioso de Deus. O evangelho é a alegre notícia da redenção graciosa. (pág. 35)

Leiamos 1Pe 2:9-10 e esqueçamos de toda teologia que tenta explicar o texto. Leiamos o texto apenas com simplicidade, e perceberemos que o autor fala de um estado presente. Tal salvação é percebida por aqueles que resolvem aceitar-se como realmente são; sem auto-engano. Talvez um dos sinais mais fortes da graça na vida do crente não é a impecabilidade, mas sim a aceitação de que Deus me aceitou independente da minha inadequação.

Caso possamos resumir o cristão em poucas palavras, diríamos que ele é alguém que diante da lei apenas teme e reconhece sua incapacidade, porque a graça lhe fala que o papel da lei é unicamente este. Sendo assim, a sua melhor atitude e deixar o auto-engano e viver grato pela aceitação de Deus. Sendo assim, o auto-engano dará lugar à graça.


Jorge Luiz

Um comentário:

  1. Muito bom. Digo: maravilhoso. Que O Senhor continue abençoando você que já foi feito assim: um presente de Deus ao nosso meio, para nos ajudar a pensar, e entender a graça de Deus. Obrigada...

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