sábado, 7 de fevereiro de 2009

Caçador da Vida - Reflexões de uma cena do filme "O Caçador de Pipas"

Confesso que não li o livro “O caçador de Pipas” por um preconceito de que best-sellers geralmente não são livros bons (pelo menos para maioria dos autores essa idéia realmente funciona). No entanto assisti ao filme, e agora quero muito ler o livro.

Não desejo aqui comentar as muitas reflexões que a história desse livro pode suscitar, nem mesmo fazer um resumo comentado do filme. Porém, gostaria apenas de comentar uma cena (das várias) que me incomodou.

O personagem principal, Amir Jan, chega até um orfanato em Cabul, capital do Afeganistão dominada pelos Talibãs (grupo político-religioso formado por radicais islâmicos), a procura do sobrinho que teve sua família morta. Ao encontrar o chefe do orfanato, este lhe diz que entregou seu sobrinho a um dos chefes radicais Talibãs que é um pedófilo e abusador de crianças. Amir Jan se revolta e acusa o dono do orfanato de não cumprir o seu dever em proteger aquelas crianças. É justamente na resposta do dono do orfanato que reside à grandeza dessa cena. Não saberia agora reproduzir literalmente sua fala, mas seria mais ou menos assim:

­- Esse homem me dá dinheiro, mesmo que pouco, para levar uma criança. Se eu não entregar uma criança, ele então leva dez. Vendi todos os meus bens para fazer esse orfanato, tenho família no Paquistão, mas escolhi viver nesse inferno para ajudar essas crianças. Todo o misero dinheiro que recebo pela “venda” da criança, é usado para comprar comida para as restantes, não fico com nada para mim. Sacrifico uma em favor das outras. E que Deus me julgue caso esteja errado.

O que dizer diante de uma frase como essa? Qual postura poderia ser melhor do que o mais constrangedor silêncio? Todas as estruturas morais, todos os “princípios”, toda noção de “certo e errado” perde-se quando o “bem” está em jogo. São situações como essa que revelam que o amor e a bondade estão muito acima das nossas construções teóricas sobre moral e ética.

Nossos princípios; sejam eles de cunho religioso ou humanista, rapidamente condenariam esse homem. Ele pecou, nossas leis e os mandamentos de Deus. Ou estamos certos e devemos realmente condenar este homem, ou então precisamos rever a funcionalidade de nossas “santas regras”.

O que estava escrito nas “tábuas da lei” da consciência daquele homem o impulsionava a sacrificar o que fosse preciso pela vida de outros. Ele sacrificou sua vida, sua família, seus bens, seu conforto e construiu um orfanato no meio de uma terra sem lei na tentativa de ajudar crianças que estavam vagando pelas ruas como “mortas-vivas”. Sacrificou a si mesmo, e também a uma “ovelha” para poder salvar o “rebanho”.

O cerne prático do amor é o sacrifício. O amor de Deus se tornou real no sacrifício de seu Filho. Para salvar-nos, Jesus sacrificou os princípios morais de seu povo e sua religião, e depois se sacrificou, tornando-se escândalo e loucura para os que não sabem o que é amar até entregar-se.

Situações como essa apenas revelam o quanto a nossa moral não funcionam diante da “misteriosa santidade” da vida. Deus pode revelar ao nosso coração coisas que estão acima daquilo que os “profetas” afirmaram ser “Sua Vontade”.

Melhor que perguntar como Deus quer que eu viva e quais são seus mandamentos para mim; é tentar saber viver pelo amor e pela consciência, entendendo o valor da vida, e não precisa ser religioso para isso. Quero entender a vida, e de que forma posso servir a Deus nela, sem regras, sem muletas, com o olhar de quem descobre um novo mundo.

O pior cego não é apenas aquele que não quer enxergar a verdade que está diante dos seus olhos, mas sim aquele que pensa já tê-la visto plenamente.

Quero novos ventos, novos tempos. Como conseguir isso?

Daqui pra frente já não sei.


Jorge Luiz

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