A morte é inaceitável. Percebo isso na busca determinada de minha mãe por explicações plausíveis no espiritismo. A morte de um jovem de 24 anos de forma tão rápida por uma doença que se manifestou num curto espaço de tempo leva todos a se questionarem, principalmente os pais.
É justamente por essa busca que nasceram as religiões e suas mais mirabolantes teorias. Detentoras de conhecimentos profundos, revelados por iluminação, as religiões procuram demonstrar fatos que comprovem suas teorias acerca da vida após a morte.
Não é de se espantar que os primeiros capítulos do Gênesis tratem justamente da introdução da morte na criação. Nas conversas com a minha mãe e suas certezas sobre a vida pós-morte, comecei a me indagar sobre o que a Bíblia realmente tem a falar sobre morte. Será que ela realmente explica e traz fatos elucidatórios a esse grande mistério que nos cerca?
Na leitura do Gênesis, algumas coisas me vêm à mente:
1. A morte não fazia parte do “plano original da criação”. Não é a toa que ela seja tão contraria ao nosso desejo por viver, ou como diz os cientistas, o nosso “instinto de sobrevivência”. Não há um trecho antes da queda afirmando que a morte tenha sido uma das criações de Deus. A morte era uma possibilidade.
2. Havia duas árvores no jardim: A da Vida e a do conhecimento do bem e do mal. Respeitando o mito, tais árvores representam as possibilidades das escolhas humanas. A primeira estava no centro do jardim, no centro do projeto divino, representando a caminhada com Deus, o crescimento relacional entre a criação e o criador, a harmonia cósmica na plena expressão da imagem e semelhança de Deus no homem. Na integridade entre criador e criatura reside a vida eterna.
3. A segunda árvore representa a autonomia humana e seu conseqüente estado paradoxal. Não quero me relacionar com Deus como criatura; não quero ser semelhança de Deus, mas igual a Ele; não quero ser uma peça dentro do projeto de Deus, mas possuir meus próprios projetos onde provavelmente Deus não fará parte. Em sua independência, o homem tornou-se um ser de contradições, incompleto, onde bem e mal habitam seu interior numa vida dividida. O homem não controla o conhecimento do que é bom ou ruim, mas o mal o controla, levando a oscilar entre momentos bons e ruins, escolhas boas e más, pensamentos puros ou não. Fugindo da “prisão de Deus” o homem tornou-se cativo de si mesmo.
4. Assim, a morte não é o castigo, mas uma libertação. A morte é o fim de uma vida de contradições, a quebra de um ciclo de inconstância e incoerência eternas. Ou seja, a morte nos humilha na nossa pretensão de autonomia, nos faz recordar que não temos realmente o controle de tudo, nos leva a ponderar sobre o imprevisível, recorda que somos limitados e carentes. Apesar da nossa liberdade, o amor de Deus interfere a nosso favor, introduzindo a morte como libertação desse cativeiro criado por nós mesmos.
Porém, não há mais nada o que falar. Não sei como é a vida do lado de lá e não conheço quem tenha ido e voltado para contar. Não sei nem mesmo se o que eu disse nas linhas anteriores seja uma explicação realmente plausível para a realidade da morte. Apenas não gosto de pensar na morte como castigo, mas como oportunidade de liberdade. Por isso a tradição cristã nos fala que a morte já começa em vida, pois quando cremos em Jesus estamos mortificando o nosso eu e suas contradições, sendo assim preparados para uma ressurreição de vida plena, de integridade, onde não haverá mais bem ou mal, pecado e obediência, doença, choro, mas somente relacionamento completo entre Deus e os homens.
Não quero explicações detalhadas sobre a morte, sobre a vida pós-morte, sobre céu ou inferno, reencarnação ou ressurreição; pois nenhuma explicação alivia a dor de se perder um ente querido. Não sigo os fatos, e sim a fé de que a morte, para os que crêem em Jesus, é o fim de um capítulo mal escrito por mim mesmo e o começo de uma nova história escrita em parceria com Deus.
Para Aquele que sempre quer andar conosco, mesmo no vale da sombra da morte.
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