quarta-feira, 20 de maio de 2009

LER E NÃO ENTENDER, OUVIR E NÃO COMPREENDER (LC 8:1-17)

As parábolas de Jesus não possuíam a função de ensinar! Isso parece uma afirmação absurda, mas numa leitura cuidadosa perceberemos que para os discípulos isso era verdade. Jesus dispara de forma bem taxativa: “A vocês (discípulos/apóstolos) foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus, mas aos outros ele (o Reino) vem por meio de parábolas, para que olhando não vejam e ouvindo não compreendam” (Lc 8:10). A frase de Marcos é ainda mais terrível, quando diz que as parábolas impedem a fé, a conversão e o perdão (Mc 4:11-12).

Quando reflito sobre isso, é inevitável que certas perguntas me venham a mente: Jesus era um pregador que não desejava ser compreendido e que desejava a perdição de seus ouvintes? O que motiva um homem a pregar por quase três anos histórias incompreensíveis? Chego a questionar se tais palavras foram realmente ditas por Jesus, ou apenas expressam o desejo típico das religiões em serem exclusivos portadores da interpretação da mensagem de Cristo.

É inegável que essa afirmação tem um sabor típico do poder que a religião deseja exercer sobre as pessoas: o poder de interpretar a mensagem de Deus de forma exclusiva, invalidando outras “alternativas”. Quem domina a interpretação domina também a verdade religiosa e pensamento das pessoas, o que resulta em controle comportamental. Mas tal desejo é compatível com o caráter de Jesus? Um homem que declarou independência da interpretação judaica e lançou novas bases sobre aquilo que os antigos diziam estaria comportando-se como um pregador exclusivista?

Tais perguntas revelam como a leitura da Bíblia pode ser realmente algo arriscado, quando lida sem critérios e direcionamento. Em suas páginas estão às impressões que seus autores tinham de Deus partindo da revelação que tiveram, e o que eu entendo da revelação pode ser completamente diferente da própria revelação, pois ela produz as reações mais diversas quando toca a individualidade. Ler a Bíblia sem compreender as intenções de seus autores pode gerar uma imagem confusa e contraditória sobre Deus, e é esse tipo de imagem que muitos cristãos nutrem.

Precisamos afirmar algumas coisas antes de refletirmos nessa parábola:

1. As parábolas são histórias simples, do cotidiano daqueles ouvintes. A simplicidade do evangelho é tamanha que obstruía a compreensão daqueles que não aceitam um Deus simples. Para Jesus, não compreender as parábolas revela a cegueira quanto ao próprio caráter de Deus e à sua verdadeira proposta. A pergunta de Jesus era: Se vocês não podem entender essas parábolas, como compreenderão o Reino?

2. Jesus nunca pregou algo que desse respaldo a criação da religião cristã. Se caso Jesus desejasse instituir “intérpretes autorizados” então ele estaria indo contra tudo que denunciou no meio do judaísmo de seu tempo. A mensagem do Reino sempre foi (e sempre será) de caráter universal e os discípulos não são “intérpretes”, mas sim “transmissores” da mensagem do Reino. O agricultor da parábola não interpreta a semente, apenas a espalha.

3. A compreensão da mensagem do Reino não depende de quem a transmite, mas sim de quem a escuta. Isso é incrível! Jesus quer ser compreendido, mas a missão de “entender” a mensagem não pertence a ele, e sim ao ouvinte. E como isso acontece? Simples! É a partir da fé e da perseverança em seguir Jesus, por mais absurda e incompreensível que possa ser sua mensagem. Na espiritualidade dos evangelhos, a fé em Jesus vem pelos sinais que ele opera, e sendo assim, a pregação é compreendida pela fé. Nosso “terreno” precisa ser “preparado” para recebermos a semente do Reino de Deus, ou seja, precisa haver fé, receptividade a mensagem e desejo de vivê-la. Jesus não pregava para incrédulos, a grande maioria da multidão que o seguia cria em Deus, apesar das distorções do judaísmo. Sem fé somos cegos e surdos diante das parábolas. Nesse sentido, a parábola não exclui, mas revela aqueles que possuem fé.

Partindo desse ponto vamos tentar entender alguns aspectos interessantes sobre a parábola do semeador:

1. Jesus contou essa parábola em um momento que os narradores afirmam que ele estava cercado por muitas pessoas. Multidão para Jesus não significa sucesso ministerial e reconhecimento, mas sim o risco de morte, traição e deturpação. Portanto, essa parábola denuncia aquelas vidas que cercam a Jesus. Cada tipo de terreno revela as características das pessoas que estão ali.

2. A mensagem é comparada a semente, e isso é algo maravilhoso e profundo. Esse símbolo é mais rico do que possamos imaginar. Primeiro porque como semente, ela precisa ser apenas lançada. O potencial da mensagem não depende do esforço de quem prega, mas da receptividade de quem a acolhe.

Primeiro terreno

No primeiro caso o que ocorre é uma espécie de acidente. A semente não foi lançada, mas ela caiu por acaso. Caída, ela não penetrou no terreno, mas ficou pela superfície, sendo então levada pelos pássaros.
Na vida de muitos, a mensagem do Reino não penetrou, ficou apenas na superfície. Ela funciona apenas como uma maquiagem externa, mas não é compreendida. A mensagem precisa ser compreendida, precisa penetrar as entranhas da nossa vida. O Diabo tira a semente quando ela não penetra. Evangelho que é “vivido” sem ser compreendido é uma ilusão satânica que habita principalmente a vida das pessoas religiosas.

Segundo terreno

Semelhante ao primeiro terreno, a semente aqui não penetrou na terra, mas ficou entre as pedras. Lembremos que, para o profeta Ezequiel, pedra era sinal de falta de fé e insensibilidade diante das exigências divinas (Ez 11:19). Um coração petrificado não está receptível a receber o evangelho como verdade que cria raízes em nosso ser. Para muitos que cercam Jesus, o que ele prega é muito bonito quando é teórico, mas quando exige atitude, e principalmente perdas, então ocorre à desistência. Pessoas desse tipo não querem um evangelho que desafie a mudanças.

Terceiro terreno

Esse é o caso mais complexo. A semente aqui entrou, criou raiz, mas não produziu fruto. Produzir frutos vai muito além de certas atitudes que revelem o Reino. O fruto da mensagem do Reino é um estágio de compreensão do evangelho tão profunda que a sua vida alimenta e semeia outras vidas que estão ao seu redor. E isso só ocorre quando conseguimos deixar de olhar para o próprio umbigo. O fruto do Reino de Deus nada mais é do que a capacidade de perceber que não sou o centro do universo, e que antes de preocupar-me com o meu prazer e com o meu mundo, tenho que ter responsabilidade para com o mundo do meu próximo. Por isso que quando eu frutifico, multiplico vida e multiplico o Reino de Deus onde estou.

Quarto terreno

Concluíndo, o quarto terreno representa a vida daqueles que compreendem a mensagem e se comprometem a vivê-la em pequenos atos que vão solidificando o caráter do Reino de Deus de tal forma que frutifica e semeia outras vidas. Não havia muitos desses cercando Jesus naquele momento, assim como há poucos desses entre as igrejas cristãs. Somente pessoas assim conseguem pegar a semente do evangelho, processá-la e germiná-la, além do simples falar. Nesse caso, não há parábola que confunda aos que têm fé.

As parábolas não são incompreensíveis por serem complicadas, mas por serem simples e ao mesmo tempo radicais. No fim, concordo que o entendimento das parábolas é apenas para alguns, mas estes não são os doutores e teólogos, mas todos os que são simples de coração. Fé aqui está acima da inteligência.

domingo, 10 de maio de 2009

DUVIDAR E BOIAR

Humberto Gessinger, líder dos Engenheiros do Hawaii, escreveu uma música chamada Somos Quem Podemos Ser, que contem o seguinte trecho:

Um dia me disseram
Quem eram os donos
Da situação
Sem querer eles me deram
As chaves que abrem
Essa prisão
E tudo ficou tão claro...

Parece que, não para todos, mas para alguns, chegará o dia em que a vida se revelará de forma diferente. Ilusões serão quebradas, conceitos desmoronarão, certezas serão diluídas. Porém, nem tudo fica tão claro como diz a música.

Pelo contrário, quando tudo desaba o que reina é o caos, a visão é escura. Sua cabeça fica confusa, reinam sentimentos contraditórios, você duvida de todos os horizontes a sua volta. A sensação de descobrir que aquilo que você defendia como verdade pode ser questionada e desestruturada não é das mais agradáveis. Reconstruir nem sempre é algo tão motivante quanto se imagina.

Entendo agora porque muitos relutam em duvidar. Vejo tantos que se agarram as suas verdades como se fossem tábuas boiando no mar, porque soltá-las significa afogar-se. Por isso, são perseverantes e fiéis, não duvidam, apenas acreditam cegamente.

Mas quando alguém ousa soltar a tábua da verdade, primeiramente afunda, pensa que vai morrer. Aqui só há duas saídas: encontrar logo outra tábua para se agarrar, ou então aprender a nadar e viver livre no mar.

Entre estar agarrado às verdades e afundar no mar de dúvidas, o melhor mesmo é nadar.

Mas se não souber nadar, então bóie, sem tábuas, mas bóie. Estou “boiando” diante de quase tudo.

Jorge Luiz

sexta-feira, 8 de maio de 2009

CONTRA FRUTOS NÃO HÁ ARGUMENTOS!

No decorrer do Sermão da Montanha, podemos perceber claramente que Jesus ensina pelo menos três metáforas comparativas em seu discurso:

Primeiramente ele fala da porta estreita em oposição à porta larga, uma metáfora relacionada à forma como entramos na caminhada da vida cristã. Aqui é importante entender que Jesus está falando sobre tomar decisões que são geralmente impopulares, mas que são necessárias para que possamos seguir o caminho da verdadeira vida. Sendo assim, entramos na vida por nossas decisões, e elas abrem portas que nos conduzirão a caminhos diametralmente diferentes.

Se a metáfora da “porta larga e estreita” fala sobre o ínicio da caminhada, a metáfora seguinte, sobre a “árvore boa e os frutos bons” versus “árvore má e frutos maus”, fala sobre desenvolvimento posterior a nossas escolhas. Falar sobre árvores e frutos é falar sobre o nível de comprometimento com o ensino de Jesus e os resultados gerados em nós. Jesus está falando que, qualquer que seja a porta que entramos; durante o caminhar criaremos raízes que nos tornarão cada vez mais identificados com a escolha que fizemos. Sendo assim, o fruto que geramos é somente o reflexo da seiva que nossas raízes se nutrem. Recriando uma velha frase que gostamos dizer, Jesus afirmaria que “contra frutos não há argumentos!

Sendo assim, a metáfora do prudente e do insensato é a terceira devido à seqüência lógica do próprio texto. Se a primeira metáfora refere-se às origens de nossa vida, e a segunda refere-se ao desenrolar das conseqüências de nossas decisões; a terceira metáfora falará para nós sobre o estado final de nossa alma diante do desenrolar da vida que se impõe sobre nós.

Note que o verbo construir está no passado, ou seja; a casa, ou a vida, já está alicerçado e estabelecida de acordo com suas decisões e posturas. Nessa metáfora o ser humano já tem caminhado e também já tem frutificado de acordo com suas escolhas. Porém, diante das tragédias e calamidades que a vida impõe a todos, para uns será apenas mais um momento ruim a ser superado, mas para outros será o próprio apocalipse, o juízo final se abatendo sobre suas vidas.

Essa seqüência de parábolas tão ricas me ensina pelo menos duas coisas importantes sobre a vida cristã:

1. O verdadeiro cristão sempre irá se deparar com momentos de escolhas difíceis, e tais escolhas serão como fertilizantes que darão frutos ao seu tempo. Tenhamos discernimento em nossas escolhas e assim estaremos contribuindo para que nossos frutos sejam espelhos do caráter de Cristo em nós.

2. O verdadeiro cristão reconhecerá que sua vida não é privilegiada por Deus. Ele vive em mundo onde as tempestades não fazem distinção entre a casa do ímpio e do justo. O diferencial do servo de Deus não é sua capacidade de controlar a vida e suas intempéries através do sobrenatural, mas sua capacidade interior de se manter íntegro na presença de Deus seja qual for à situação. Ser integro aqui não significa fingir que a dor do dia mal não é sentida por nós, mas mesmo em toda dor existe um processo de renovação da esperança em nós que não permite que a dor mate nossa fé e destrua nossa relação com Deus forjada no caminho e nos seus frutos.

O cristão entra pela porta da vida (seja ela larga ou estreita) através de suas escolhas, seguindo o caminho (seja ele largo ou estreito) ele produz frutos de acordo com a qualidade da terra que pisa (seja ela boa ou ruim). Pela qualidade da terra e pelo nível de aprofundamento de suas raízes, ele já possuirá alicerce (seja ele rochoso ou arenoso) para se manter firme na tempestade ou desmoronar sem a mínima consistência, fruto de sua própria inconsistência na palavra e no agir segundo a vontade de Deus.

Como diria Jesus: “contra frutos não há argumentos!”.